sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Entrevista com Sandra Batista no Diario do Pará.



"Tiro na cabeça matou João Batista."

 Na tarde do dia 6 de dezembro de 1988, o deputado estadual constituinte João Carlos Batista foi à tribuna da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e anunciou sua morte. Ele já havia sofrido três tentativas de homicídio e, constantemente ameaçado, desabafou denunciando que sua vida estava em perigo e que necessitava de proteção.
Três horas depois, às sete da noite, enquanto entrava na garagem de seu prédio no centro de Belém, Batista foi surpreendido por um pistoleiro que lhe deu um tiro à queima roupa na cabeça. Advogado de posseiros e defensor da luta pela reforma agrária, o deputado estadual de 36 anos foi morto na companhia da esposa e de três dos seus cinco filhos.
Na época, o crime comoveu o Estado por conta da brutalidade que poderia ter sido evitada. 24 anos depois, Batista empresta seu nome a um auditório na Alepa, a escolas, à história do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e a pilhas de um processo que se arrastou por anos e foi encerrado sem que os verdadeiros responsáveis pela sua morte fossem presos ou oficialmente identificados.
Para Sandra Batista, a então esposa de João Batista, os detalhes da noite do assassinato serão uma cicatriz sempre exposta em sua memória. “Tinha uma mangueira bem frondosa na frente do prédio que tapava o bico de luz. O Batista tava fazendo a curva pra entrar na garagem quando nós ouvimos o disparo. Minha filha, a Dina, gritou, nós olhamos pra ela, olhamos pra trás e vimos o pistoleiro. Eu tinha acabado de trazer ela pra o banco da frente, porque ela tava brigando com os irmãos, e o tiro pegou na perna dela. Depois, ele (o pistoleiro) veio pelo lado do motorista e atirou no Batista, que caiu no meu colo. Ainda teve outro tiro, mas, por reflexo, eu consegui me abaixar”, conta Sandra.
No carro, a filha mais velha do segundo casamento de Batista, que havia ficado no banco de trás, tinha apenas cinco anos. Sandra fala que a história poderia ter um final ainda mais trágico se o acaso não tivesse lhe ajudado. “O Batista tinha uma pistola 765. Não que ele fosse usar em alguém, ele não seria capaz disso, mas ele era deputado, tinha porte de arma e optou por ter uma. Eu peguei a pistola no porta-luvas, saí do carro e mirei nele (no pistoleiro), que já ia dobrando na esquina da Gentil. Eu só não disparei porque eu não soube engatar o pente do revólver, nunca tinha feito isso antes, nem sabia que era preciso”, fala.
Viúva aos 28 anos e com três filhos pequenos para criar, Sandra conta que os efeitos daquela noite se arrastaram por várias outras que a sucederam. “Eu passei dois anos numa depressão enorme, emagreci muito. A dor era maior porque passava o tempo e nada dos órgãos darem resposta”, diz. Descrito pela esposa como um “pai carinhoso”,Sandra lamenta a morte precoce do marido com o qual ficou casada por sete anos. “O Batista não teve a felicidade de ver os filhos crescerem. Hoje ele teria 60 anos e seria avô. Quem mata não atinge só a pessoa que morre, desorganizam toda uma família. Os meninos até hoje sentem uma saudade enorme do pai. Pra começar de novo é muito difícil”, desabafa.
João Batista era paulista, filho de camponeses sem terra, que vieram para Paragominas em busca de uma vida melhor. Ele se engajou na luta social cedo e, mesmo após se formar em Direito e se tornar deputado, não esqueceu sua origem. “Tinha dias que dormiam 50 pessoas lá em casa. Gente humilde, trabalhadores rurais que vinham a Belém resolver problemas no Incra, no Interpa. A gente só tinha privacidade no quarto mesmo. Quando a pessoa dizia que não podia ficar porque não tinha roupa, ele dizia: ‘Pera aí que eu vou ver se tem alguma coisa que te serve’. Ia no guarda-roupa e pegava uma calça, uma camisa, às vezes nem devolviam”, relembra rindo Sandra.
Um dos pistoleiros acusados de matar Batista, Roberto Cirino, o “Robertinho”, foi degolado no presídio de Americano antes de ir a julgamento em 89. Péricles Moreira, que seria um segundo pistoleiro, chegou a cumprir pena, mas foi solto em liberdade condicional, mesmo respondendo a várias acusações por homicídio. No final de 2010, “Pelha”, como era conhecido, também foi executado. Péricles relatou o nome dos acusados à Polícia, à Justiça e à CPI da Violência do Campo, realizada pela Alepa. Os mandantes seriam fazendeiros, cujos nomes teriam sido confirmados por Robertinho, que nunca foram julgados sob alegação de falta de provas. Sandra, indignada, entrou com recurso no Ministério Público para reaver a posição do Tribunal de Justiça. Sem sucesso. “A pistolagem é recorrente no Pará. Faz parte de um crime organizado, caro, onde existem profissionais que trabalham como matadores de aluguel. Ele é patrocinado por pessoas que têm poder. Enquanto a polícia não coibir, não desvendar que está por trás dos assassinatos, isso vai continuar a acontecer”, denuncia.
“Os dois pistoleiros presos eram pessoas que faziam serviços há bastante tempo para os fazendeiros paraenses. Robertinho, quando foi degolado na prisão antes do julgamento representou uma queima de arquivo, estava falando demais. Péricles, depois de preso, julgado e condenado, foi libertado e ao ser assassinado, em 2010, no Piauí, estava dando continuidade aos seus serviços profissionais, trabalhando para a polícia daquele Estado. A sua morte também foi uma queima de arquivo”, relata Pedro César Batista, irmão de João Batista, poeta e jornalista que escreveu, entre outros, o livro “João Batista, Mártir da Luta pela Reforma Agrária”.
(Diário do Pará)
 http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-160150-TIRO+NA+CABECA+MATOU+JOAO+BATISTA.html

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