quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jogo Aberto de Charles Alcântara


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010


Parabenizo-a, antes de tudo, pela entrevista esclarecedora concedida a Carlos Mendes e Francisco Sidou, na edição do último sábado (30/01) do programa Jogo Aberto, na Rádio Tabajara.

Foste serena, franca e elegante.

Jogaste aberto, como esperam os ouvintes do programa, tão bem conduzido pelo apresentador.

Aliás, foi a partir da tua assertiva de que o governo de Ana Júlia é e, ao mesmo tempo, não é do PT, que me ocorreram algumas indagações acerca da intrincada relação entre estes entes, partido e governo, no contexto da crise que se instalou no Pará, aparentemente superada pela antecipação da saída dos secretários-candidatos.

O paradoxo de ser e não ser, quando nos referimos ao governo e ao PT, nada tem de incoerente. Vejamos.

O governo é do PT por que Ana Júlia é do PT; por que o programa (intenções, compromissos, projetos) identifica-se com o PT; por que a subjetividade (símbolos, discurso) está associada ao PT; por que a objetividade (exercício do governo) está a cargo, principalmente, de lideranças do PT.

Não emitirei juízos sobre o mérito do programa, ideário, discurso, valores e prática política do PT, hodiernamente, para que eu possa, por ora, deter-me na relação entre partido e governo.

Pois bem.

Mas o governo não pertence ao PT, por que há fossos - mais ou menos largos, mais ou menos superáveis – que separam as intenções da ação.

Há fossos que separam a agenda política desejada e desenhada, da agenda política que se apresenta ao governante no exercício do governo, notadamente em razão da correlação de forças dos atores sociais em disputa.

O governo é permanentemente tensionado a responder às demandas desses atores sociais e, a depender do capital social de que dispõe, tem mais ou menos “musculatura” para resistir a determinadas pressões ou para mitigá-las, ao menos.

Vale ressaltar que o capital social de que dispõe o governo não é fruto do acaso, mas das escolhas feitas pelo governante, da ação planejada, da consistência programática, da capacidade de liderança.

O governo de Ana Júlia não pertence ao PT, mas dele precisa, como precisa de outros atores sociais: outros partidos, movimentos sociais, lideranças populares.

O PT, por sua vez, precisa combinar prudência e firmeza nas relações com o governo que carrega a sua marca.

Tensionar o governo de Ana Júlia a aprofundar a democracia participativa, o controle social e o combate às desigualdades sociais é o que se deveria esperar do PT, para muito além, portanto, da postura burocrática e simplista que costuma permear a prática dos partidos que chegam ao poder e que, por essa condição, tornam-se acríticos em relação ao governo, amorfos, perdem nitidez programática e perdem referência na sociedade.

Esforçando-me para abreviar o presente comentário, encaminho-me para a seguinte conclusão:

Preocupa-me a interpretação que pode ser dada à medida de força adotada pelo PT em relação ao governo de Ana Júlia.

Não me refiro à decisão em si, pois não disponho de todos os elementos para julgá-la, mas aos sinais trocados que ela pode emitir, pois a política é pródiga em sinais, em simbologia.

De todo modo, prezada Edilza, a substituição de Cláudio Puty, homem de confiança da governadora (e confiança, por ser personalíssima, não cabe ser questionada) foi noticiada, sem desmentidos, como imposição partidária, o que nos autoriza a admitir como razoável a tese de que a mudança, caso se confirme, feita a contragosto da governadora Ana Júlia, apresenta contornos de intervenção partidária no governo.

O tamanho da dose pode ser a única diferença entre o remédio e o veneno.

E o veneno, neste caso, pode ser o risco de colocar-se em xeque a autoridade da governadora Ana Júlia, detentora de mandato popular, portadora da responsabilidade de exercer o governo e a liderança que, ao cabo, será julgada pelo povo.

E, salvo melhor juízo, a forma como foram comunicadas as recentes decisões partidárias e governamentais, abrem largas brechas para interpretações tendentes a fragilizar a imagem da governadora Ana Júlia e a colocar em xeque a sua autoridade.

Assim como o seu governo (o de Ana Júlia) deve saber equilibrar a condição de não se submeter ao PT, sem, no entanto, dissociar-se dele ou relega-lo a plano secundário, espera-se dos dirigentes do PT a capacidade para equilibrar as tarefas de sustentação política do governo e de tensionamento político-programático deste, sem descambar para o risco da ação intervencionista.

O propósito da maioria da direção partidária de selar aliança com o PMDB, que parece ter sido central - não exclusivo, por certo - na decisão de substituir o comando da pasta responsável pela articulação política do governo, será viabilizado ou não muito em função do convencimento e da disposição da governadora Ana Júlia – e do PMDB, é claro – a despeito dos esforços do novo titular da pasta e da própria direção partidária.

Fico por aqui, professora.

Abraços,

Charles Alcantara

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