segunda-feira, 18 de maio de 2009

Lula é o cara!!

Lula é o cara!!

Marcelo Carneiro da Cunha* de São Paulo
É dura a vida de colunista e escritor. Não adianta eu falar,insistir, berrar aqui nesse espaço ou onde mais me deixarem à solta.Tem que vir o Obama pra dizer em alto e bom inglês que o Lula é ocara, Lula is the man, e aí sim, a imprensa repete aos milhões, oFernando Henrique tem um choque anafilático de tanta inveja e todomundo cai na real.Isso não significa que eu não tenha críticas ao Lula ou ao partido.Minha relação com eles é mais ou menos a que eu mantenho com asmulheres: gostaria que fossem muito diferentes, mas, olhem só asalternativas! Vivemos em um mundo real, com defeitos reais,consequências infelizes da nossa humanidade. Compreender esse mundo egovernar para ele, tentando ao mesmo tempo torná-lo melhor, comdireito a alguma quantidade de sonho, é o que diferencia um políticocompetente de um estadista. E Lula é um estadista, o maior que játivemos.Eu acho que boa parte desse preconceito contra o Lula é preconceitomesmo, do ruim. Olhem o que eu ouvi ontem mesmo de uma moradora de umbairro nobre daqui. Ela explicou que não torce para o Corinthians,porque, afinal "tenho todos os meus dentes e conheço o meu pai".Uffff.Lula, por exemplo, que mal conheceu o pai, na infância, e não seiquanto aos dentes, mas sei quanto aos dedos, torce para oCorinthians. E eleger o Lula foi um momento sublime para osbrasileiros porque ele representou a nossa aceitação de nós mesmospor nós mesmos, condição essencial para uma nação ser algo maior doque um mero país. Eleito, Lula nos libertou e o Brasil deu o saltoque todos vivem, mesmo que não queiram ver.Na América Latina, e eu leio a imprensa dos nossos vizinhos, Lula éidolatrado como um grande líder nacional, que ama seu povo e sededica a defender os seus interesses, ao mesmo tempo em que tentasinceramente ajudar e integrar os que nos rodeiam. Somos admiradospor que passamos a nos levar a sério e deixamos de puxar o saco doprimeiro mundo, como fazia o nosso pomposo FHC. Barramos espanhóis(inocentes, claro) na fronteira exigindo tratamento decente aosnossos viajantes que entram na Europa. Lula não tem medo de ninguém eexige estar no G-20, mas junto com o G-8, ou onde quer que se decidaalguma coisa.Lula ajudou Chávez a sobreviver e hoje o enche de elogios, enquantosabota seus piores planos e ajuda o Brasil a vender e ganhar muitocom a Venezuela. Garantiu o empate na quase guerra de araque entreColômbia e Equador, fazendo o Brasil atuar como o líder que tem queser. Lula abriu agências da Embrapa em países africanos, onde nossabiotecnologia tropical vai ajudar a combater a fome e criar umaagricultura moderna. Ele também decidiu que não vamos exportarpetróleo do pré-sal, coisa de país atrasado, e sim derivados com altovalor agregado. Isso não é lá visão geopolítica e estratégica? Viajouaos países árabes, nunca antes assunto para nossos governantes ecriou laços que hoje se transformam em comércio, bom para todos.
Aqui dentro, já que o Brasil também é assunto, manteve sim a políticaeconômica anterior, mas lhe deu a direção social que faltava. E sealguém acha que isso foi coisa pouca, imaginem as pressões que Lulasofreu, às quais teve que resistir, enquanto a Argentina, aqui aolado, experimentava heterodoxias com o Kirchner e crescia 10% ao ano.Imaginem o que foi para um ex-torneiro mecânico peitar toda a supostaelite econômica instalada nos principais veículos de comunicação, quetentavam dizer a ele para onde apontar o nariz e que aprendesse aobedecer ou o mundo iria cair, culpa dele. Quem resiste a tudo esegue firme no caminho em que acredita é um líder. L-Í-D-E-R. Acertae erra, mas lidera.O maior mérito do Brasil de hoje é nosso, do povo brasileiro. Fomosnós que soubemos mudar, acabar com o PFL, optar pelo moderno e, porisso, hoje nosso destino se divide entre dois partidos e projetosviáveis, PSDB e PT. Se os dois são viáveis, o PT é mais generoso, epor isso a minha escolha.Provavelmente seguiremos crescendo e nos afirmando como nação modernae emergente, capaz de alimentar a si e ao mundo, o que para mim jáestá uma beleza, obrigado. Mas, alguém aí ousa comparar o Lula agente um tanto insípida, inodora e incolor, como Aécio, Serra e mesmoa Dilma? Vamos talvez seguir rumo à prosperidade, mas de um jeito tãomais sem graça. Vocês conseguem imaginar algum desses nomes acimafazendo a frase sobre "banqueiros brancos e de olhos azuis, queachavam que sabiam tudo de economia" que hoje é repetida no mundointeiro?Lula, para mim, representa o fim do enorme desperdício que nosso paíssempre praticou, ao ignorar a humanidade e inteligência do seu povo,acusando-o de ser pouco escolarizado. Eu tenho o privilégio de, detempos em tempos, encontrar com leitores de grupos de EJA (Educaçãode Jovens e Adultos), na prática turmas de pedreiros, domésticas,carpinteiros, eletricistas; gente que deixou a escola quando criançae voltou agora, para aprender, inclusive, a ler. E ser lido por essaspessoas é uma enorme honra para um escritor que gosta de ser lido. Eeles leem como ninguém, minha gente. Com uma garra e encantamento dearrepiar. E raramente têm a chance de trazer essa visão absoluta domundo, essa experiência toda a para vida do nosso país. Lula,prezados leitores, fez e faz exatamente isso.Eu conheço meu ilustre pai, para o bem ou para o mal, tenhopraticamente todos os dentes e certamente todos os dedos, o que mecoloca em uma camada, digamos, privilegiada, no Brasil. Mas, mesmoque não seja exatamente a minha cara, Lula consegue ser a carabrasileira da minha alma, de tantas outras almas de nosso país e, porisso mesmo, ele é, tem sido e vai ser o cara. O Cara, a nossa cara.Pelo que eu conheço do mundo, essa coluna vai atrair toda umadesgraceira pra cima desse colunista. Pois, muito bem, que venha.Esperar menos do que isso, estar menos preparado do que estou paracombater o que vier, seria um desrespeito desse cidadão agradecidoaqui, ao seu presidente, a quem tanto admiro e por quem tenho mais éque brigar mesmo. Podem vir, serão todos bem recebidos, e vamos emfrente, nós e o Cara, fazer o debate e o país de que tantoprecisamos.Dizer "Esse é o cara" afirma a negritude do Obama e sua admiração porLula. Vivemos melhor em um mundo assim, de aceitações,reconhecimentos, sinceridades. Se eles, que são políticos, podem,então a gente pode tudo, até mesmo torcer para o Corinthians,imagino, nesse admirável mundo novo que o século 21 nos traz.
* Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu oargumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outrosimportantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos"Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba deescrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pelaRecord. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seusromances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe

Nenhum comentário:

Postar um comentário