Na primeira matéria dessa série de reportagens você leu:_Sócia da gráfica Delta, a empresária Thaís Montenegro também integrou o Conselho de Administração do Hangar, para o qual a empresa imprime a revista “Latitude”, cuja edição trimestral, nos cálculos de empresários do setor, gira em torno de R$ 700 mil, para 30 mil exemplares._A Delta integra, na verdade, um grupo de três gráficas que funcionam no mesmo endereço: a travessa Pirajá, 1187, no bairro do Marco. Duas delas, aliás, sob o mesmo nome de fantasia: Delta Gráfica e Editora._O grupo foi o principal fornecedor de impressos da campanha da governadora Ana Júlia Carepa, nas eleições de 2006. E, ao longo desses dois anos, já faturou um volume de recursos que ninguém sabe quantificar. Mas que, segundo empresários do setor, lhe permitiu comprar de R$ 6 milhões a R$ 10 milhões em equipamentos.Acompanhe, agora, o restante do material.
Empresário nega acusações
Montenegro jura que não há irregularidades. Mas, pelo menos duas empresas do grupo já participaram da mesma licitação.A coexistência de três empresas do mesmo ramo no mesmo endereço pode até não ser crime.Mas, é olhada com desconfiança porque pode gerar situações, no mínimo, complicadas.Como não poderia deixar de ser, isso já aconteceu com as empresas do grupo Delta – um conjunto de três gráficas que funcionam na travessa Pirajá 1187, em Belém, todas sob o comando, na verdade, do empresário Édson Montenegro.Em pelo menos uma ocasião, duas das empresas do grupo já participaram da mesmíssima licitação.Foi a Tomada de Preço (TP) 009/2008, realizada em meados do ano passado, para o fornecimento de material gráfico à Prefeitura de Marituba.De acordo com o Diário Oficial do Estado número 31217, de 23/07/2008, venceram a TP as empresas Delta Gráfica e Editora Ltda. (CNPJ 07.960.738/0001-40) e Bruno E. da S. Vieitas Ltda. (CNPJ 05.506.596/0001-10.A primeira está registrada em nome da segunda mulher de Édson Montenegro, Káthia Regina de Souza Pamplona, e da filha do casal, Thaís Fernanda Pamplona Montenegro, que integrou ou integra a cúpula do Hangar – o centro de convenções para o qual o grupo Delta também fornece serviços gráficos.A segunda empresa, a Bruno E. da S. Vieitas, cujo nome de fantasia é K&T Comércio e Serviços, está em nome de um filho do primeiro casamento do empresário.Mesmo assim, Montenegro nega quaisquer irregularidades, tanto nas suas empresas, quanto no fornecimento de serviços ao Governo do Estado e ao Hangar.Sem Álcool
Na tarde de quinta ou sexta-feira (antes, portanto, de um telefonema de madrugada à repórter, com objetivo aparentemente intimidador, e no qual, também, o empresário parecia estar alcoolizado), Édson Montenegro confirmou que a filha, Thaís, integrou o Conselho de Administração do Hangar. Mas disse que ela deixou o local ainda no mês passado.
Garantiu que a Delta imprimiu, apenas, três números da revista “Latitude”, a publicação trimestral do Hangar.
Disse que sempre forneceu serviços a candidatos de todos os partidos políticos – “na campanha da Ana, do Jatene, do Almir”. E que atende “bem” a todos os governos – “sou um cara democrático, light”.
E explicou o porquê, em sua opinião, de tamanha procura: “Eu tenho a melhor gráfica do estado. Entra governo, sai governo, tenho mercado porque tenho qualidade. E o mercado, hoje, prima pela qualidade. Se eu fosse amigo do governador e não tivesse qualidade, não vendia”.
Reclamou dos demais empresários do setor que se queixam da concentração de serviços, pela Delta, no atual Governo, e garantiu que o volume nem é tão grande assim:
_ “Se eles tivessem capacidade, não reclamavam. Vá lá ver, na Seduc...Se tiver uma nota fiscal minha, lá na Sespa, na Sefa, qualquer órgão, pode dizer que é mentirosa. É que os caras, ao invés de trabalhar, ficam se preocupando com os outros. No governo do doutor Almir, só o Conrado (o presidente da Fiepa, José Conrado, que é empresário do setor) fazia as coisas e eu nunca reclamei de nada”.
Disse que sentiu “uma tristeza, que pelo amor de Deus!...” ao ver a Delta envolvida no escândalo dos kits escolares – a aquisição, que teria ocorrido sem licitação e a preços superfaturados, dos kits distribuídos, neste ano, pela governadora Ana Júlia Carepa, aos alunos da rede pública.
E negou qualquer envolvimento no escândalo: “Chegou um pedido na minha mão, para a cotação das agendas. Era 1,1 milhão de agendas e aí eu disse que não tinha capacidade de fazer”.
Da mesma forma, também negou a aquisição, em apenas dois anos, de equipamentos avaliados em pelo R$ 6 milhões, em função do dinheiro a rodo que estaria recebendo do Governo Estadual, como afirmam empresários do setor.
“A minha máquina custou R$ 1,3 milhão, para pagamento em cinco anos!... Se quiser, eu mostro a duplicata, eu mostro!...” – disse ele, na entrevista feita por telefone – “Já até deixei de ler jornal pela falta de postura das pessoas!... Na revista que tenho, a Via Pará, nunca falei mal de ninguém”.
Montenegro também assegurou que as revistas que imprimiu para o Hangar foram antecedidas “ de concorrência, cotação de preços”. E novamente apontou a qualidade do parque gráfico que possui: “A minha gráfica é a única de Belém que dispõe de uma máquina PUR, que cola, que não precisa grampear”.
E ironizou a informação dos empresários do setor de que estaria faturando milhões no atual governo: “Quem me dera!... Já pensaste? Ganhar uma grana dessas? Até porque já peguei porrada sem pegar”.
Contou que trabalha com Ana Júlia Carepa desde os tempos em que era vereadora, “e ela me ajuda dentro do possível, dentro da legalidade, ela mesma já falou isso, e para mim gratidão é sinônimo de caráter”.
Também explicou o motivo pelo qual tem três empresas gráficas no mesmo endereço – duas delas com o mesmíssimo nome de fantasia:
_ “Eu só ainda não fechei a Édson F. M. Vieitas, porque eu precisava esperar acabar o contrato com a TIM (a operadora de telefonia), que está em nome dela. Aí eu pensei em abrir essa outra sociedade (a outra Delta), já colocando em nome da minha filha. Mas, no mês que vem, eu fecho a Édson E. M. Vieitas”.
Quanto à K&T, a empresa que está em nome do filho, Bruno Vieitas, Montenegro explicou a existência dela pela necessidade de contemplar as duas famílias – a do primeiro e a do segundo casamento.
Mas, garantiu, a K&T “é separada da Delta, até os funcionários são separados” e explicou a coincidência do endereço – todas as três empresas estão no prédio de número 1187 da travessa Pirajá; o número 1193, que consta como endereço de duas delas, na Receita Federal e na Jucepa, simplesmente não existe, conforme constatou a reportagem, na semana passada.
“O número existe, sim”, disse Montenegro, “É que eu comprei a casa ao lado e mandei tirar o número. Por isso, ele não está lá”.
A reportagem perguntou se ele não considerava pelo menos complicado o fato de a filha dele, Thaís, que figura na constituição societária de uma das gráficas Delta, ter sido, no ano passado, também integrante do Conselho de Administração do Hangar – o centro de convenções para o qual, no mesmo período, a empresa forneceu serviços gráficos.
Montenegro respondeu: “Depende do seu ponto de vista. Na empresa, é tudo tocado por mim e pela mãe dela. Ela (Thaís) não tem nenhuma ingerência na Delta. Ela só tem 20 anos e começou a trabalhar aqui comigo na semana passada. Além disso, será que ela tem poder decisório no Hangar?”.
Delta e Ana Júlia: uma década de “trabalho”
Vêm de longe as relações entre o empresário Édson Montenegro e a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa. Em novembro do ano passado, na festa de aniversário da gráfica Delta – comemorada justamente no Hangar – a própria Ana informou que trabalha com a empresa desde 1998.
No site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no qual estão online apenas as prestações de contas das quatro últimas eleições, é possível reconstituir um pouco da trajetória de contribuições e serviços das empresas do grupo Delta à governadora Ana Júlia Carepa e ao PT.
Em 2002, o principal fornecimento de impressos da Édson F.M. Vieitas (a Delta Gráfica e Editora de CNPJ 02.129.402/0001-16) foi para o Comitê Financeiro Único do PSDB: R$ 185 mil.
O segundo maior pacote de serviços foi para o deputado federal José Priante (R$ 55 mil), do PMDB. O terceiro, para Ana Júlia (R$ 40 mil), então candidata à senadora.
É verdade que outros oito candidatos também mandaram confeccionar impressos na Delta - gente do PSDB, PMDB, PSD,PPS e PPB.
Mas, no caso de Ana Júlia, a Delta já aparece como a segunda maior fornecedora desse tipo de serviço, atrás apenas da Gráfica e Editora Primavera (R$ 44 mil), embora haja, nessa prestação de contas, R$ 112 mil em impressos de origem desconhecida.
Em 2004, esses laços com a Delta se estreitaram. A gráfica foi, praticamente, a única fornecedora de impressos da campanha de Ana Júlia à Prefeitura de Belém, com R$ 258.347,50 em valores declarados.
Naquele ano, os impressos confeccionados pela Delta, para candidatos a cargos eletivos, somaram R$ 401.561,62.
O segundo maior fornecimento (R$ 120 mil) foi para Duciomar Costa, que acabou vencendo as eleições à Prefeitura da capital.
Em 2006, lá estava o grupo Delta de novo: dos R$ 710.780,00 que a Édson F. M. Vieitas confeccionou em impressos para os candidatos, R$ 616.000,00 foram para a campanha de Ana Júlia ao Governo Estadual.
Mas outra empresa do grupo, a K&T Comércio e Serviços, também forneceu R$ 86.500,00 em impressos para a atual governadora.
Quer dizer: de um total de R$ 1.117,545,00, gasto por Ana Júlia na rubrica “Publicidade por Materiais Impressos”, mais de R$ 702 mil vieram do grupo Delta.
Além disso,o grupo se tornou, naquele ano, também doador de campanhas eleitorais: foram R$ 22.300,00 para Ana Júlia, através da empresa Édson. F.M. Vieitas, e R$ 3 mil para o candidato tucano ao Senado, Mário Couto Filho, através da K&T, que também forneceu para ele R$ 84.850,00 em materiais – o segundo maior volume de serviços da empresa, naquele pleito.
Nas eleições do ano passado, o grupo Delta bateu ponto novamente.
Do fornecimento de R$ 116.434,80 da Édson F. M. Vieitas em impressos, menos de R$ 3 mil foram para o PT: o grosso do serviço foi para candidatos do PP, PMDB e PFL.
Já a K&T forneceu mais de R$ 214 mil em impressos, mais da metade para candidatos petistas. E dos R$ 43.923,00 doados pela empresa, R$ 42.463,29,00 beneficiaram candidatos do PT.
Grupo também edita revista
Além das gráficas, Montenegro também possui uma revista: a Via Pará.
Ela foi lançada em novembro de 2007, pela K&T, e tem como diretor-presidente o próprio Montenegro. É impressa pela Delta. O endereço da redação é também a travessa Pirajá, 1187.
A Via Pará tem uma tiragem declarada de 25 mil exemplares e um preço de capa de R$ 7,00.
Mas, ao que parece, é sustentada pelo Governo do Estado e por empresas a ele ligadas.
Dos seis anúncios de página inteira da edição de abril do ano passado, três foram do Governo do Estado, um do Hangar, um da própria gráfica Delta e um da Cerpasa – que, além de receber incentivos fiscais do Estado, também possui (ou possuía) uma dívida astronômica com o erário.
Outro exemplo: a edição de novembro do ano passado, que marcou o primeiro aniversário da revista. São, apenas, 10 páginas de anúncios, num universo de 70. E, dessas 10 páginas, três vieram do Governo, uma do Banpará e uma do Hangar.
Outras duas são da própria Delta.
Das três restantes, uma veio do Foto Keuffer/Paulo Britto Stúdio e Eventos – e Paulo Britto, além de fotógrafo, é, também, diretor comercial da Via Pará.
As outras duas foram bancadas pela Sol Informática e pelo jornal Público, cujos proprietários integram o Conselho de Administração do Hangar.
Mais um exemplo: a edição de janeiro deste ano. Das oito páginas de anúncios, três são do Governo do Estado, uma do Hangar, duas da própria Delta, uma da Cerpasa e uma do jornal Público.
Outro exemplo: a edição de fevereiro deste ano: das nove páginas de anúncios, três são do Governo do Estado, uma do Hangar, duas da Delta, uma da Cerpa, uma do Público e uma – surpresa! – da Tim, a operadora de telefonia celular.
É verdade que os 25 mil exemplares da Via Pará, a R$ 7,00 cada, renderiam R$ 175 mil por edição, caso fossem vendidos na totalidade.
O problema é que isso não acontece.
A informação, de fonte segura, é que 70% desses exemplares são distribuídos gratuitamente.
“São 800 pontos de distribuição” – revela um funcionário – “entre condomínios, hotéis, empresas públicas e privadas”.
A fonte não soube precisar a taxa de encalhe dos 30% que chegam às bancas.
Disse, no entanto, que a distribuição gratuita alcança, especialmente, a área “nobre” da cidade – Nazaré, Marco, Batista Campos, por exemplo – até o Entroncamento.
Quanto ao preço dos anúncios, ela confirmou que gira em torno de R$ 4 mil por página inteira. Mas, advertiu: “para o Governo é mais caro, pela série de procedimentos que isso envolve. Desde novembro, por exemplo, não recebemos nada do Governo; ele nos deve umas três edições”.
Informou que o acordo com o Governo é de três páginas por edição. Mas, disse, desde que o anúncio não venha através da Secretaria Estadual de Comunicação (Secom), é possível negociar “um preço melhor”, até pela “reestruturação” que está sendo feita na revista, inclusive na tabela de preços, em função da crise econômica.
“Em dezembro, fizemos uma capa para o Banpará que saiu a R$ 6 mil. Se fosse para o Governo, seria mais caro”, contou.
Uma pergunta sem resposta
Não se sabe ao certo se e quando Thaís Montenegro deixou o Hangar.
Na semana passada, uma assessora do Hangar disse que Thaís saiu de lá no mês passado – a mesma informação de Montenegro, por telefone, na quinta ou sexta-feira.
Mas, na madrugada de sábado, o empresário afirmou que a garota deixou o centro de convenções em julho do ano passado.
Certo é que Thaís ainda figurava como integrante da constituição societária da Delta em abril do ano passado – o fato está documentado em um processo da Justiça do Trabalho.
E, em maio, também aparecia como integrante do Conselho de Administração do Hangar, na revista Latitude – impressa pela gráfica Delta, como se pode ver no expediente.
A reportagem não teve acesso aos dois primeiros números da revista, para saber por quanto tempo Thaís exerceu esse duplo papel.
Mas, na edição de outubro, o nome dela desapareceu do Conselho de Administração - no lugar dela entrou o empresário Paulo Morelli.
Qual o verdadeiro faturamento da Delta?
Outra dúvida é quanto ao dinheiro realmente recebido pelas empresas do grupo Delta, no Governo Ana Júlia.
Mas, é bem provável que os empresários do setor tenham razão quando afirmam que o grosso do faturamento da empresa não aparece no link Transparência Pará, da Auditoria Geral do Estado (AGE).
De acordo com o link, a Delta Gráfica e Editora Ltda (não a Edson F.M. Vieitas, mas, aquela que está em nome da mulher e da filha do empresário, com o CNPJ 07.960.738/0001-40) recebeu do Governo do Estado, em 2007, R$ 392.813,59.
Já, a Bruno Vieitas (K&T Comércio e Serviços) foi contemplada com outros R$ 225.565,60. Total: mais de R$ 600 mil.
Já em 2008, ainda segundo o link Transparência Pará, a mesma Delta teria faturado R$ 190.430,19, e a Bruno Vieitas (K&T) R$ 69.035,53. Total: cerca de R$ 260 mil.
O problema é que o link detalha o que foi recebido pelas duas empresas, em 2007 e 2008, de vários organismos estaduais – Seduc, Secult, Escola de Governo, Sespa, Detran, por exemplo.
Mas, não consta nele um mísero centavo repassado ao grupo de Montenegro pela Secretaria de Comunicação – com as suas fabulosas verbas de publicidade e propaganda, que ficaram, apenas em 2007, em mais de R$ 38,8 milhões.
Mesmo assim, como já se viu, só a revista Via Pará, do grupo de Montenegro, que já vai no décimo número, fatura alto em anúncios, com três páginas fixas do Governo Estadual, a cada edição.
O mistério é o volume de dinheiro que o grupo Delta recebe das agências de propaganda contratadas pelo Governo do Estado.
E quanto, afinal, é destinado ao grupo pelo Hangar – Centro de Convenções da Amazônia, no qual a Delta conseguiu emplacar até mesmo uma sócia no Conselho de Administração.
Mas isso, só o tempo dirá.
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